sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Vontades...

Voluntarioso Diário,

Tudo bem? Após uma semana meio melancólica, eis-me aqui, de frente para você, tamborilando no teclado coisas do meu coração, ao melhor estilo tribalistas...
Foi uma semana chata, sabia? Uma semana em que pude comprovar pela primeira vez os limites do que seria ou não razoável para mim. E o que vi (e senti) foi um tanto quanto chato, por dois motivos: primeiro, por ser em parte verdade; segundo, por não ter como mudar isso, pelo menos a curto prazo.
Enigmática, eu? Já já você vai entender, Diário. E vai saber também porque fiquei tão pra baixo estes dias...
A razão é simples: após razoáveis bem-sucedidas missões de "andar-vestida-na-rua-sem-ninguém-para-perturbar" em Friburgo e outros lugares (claro, descontando-se um pouco o tédio da semana passada), passei a achar que: 1 - isso é possível em todo lugar; e 2 - isso é o que eu quero para mim, sempre e em maior quantidade.
Desejo legítimo e justo, certo? Errado. E você saberá a razão...
Esta semana uma amiga minha (a Administradora, batizo-a agora por dois motivos: primeiro, ela é a administradora do grupo do uatizapi criado em minha modesta homenagem; segundo: ela é administradora formada mesmo...) me convidou para uma festinha do aniversário da filha dela, de um ano. Brinquei com ela, dizendo que iria "de Jones". Depois, comecei a ponderar, sem ter nada de mais útil na minha cabeça, que, como diriam os nossos vizinhos latinos, "si, se puede", ou seja, "sim, isso se pode"... e, no dia seguinte ao convite, fiz a proposta, imaginando que ela iria comprar a ideia amarradona etc e tal.
Bem, comprar a ideia até ela comprou, mas fez ressalvas quanto a algumas críticas que poderia vir a sofrer. Fui pedir uma segunda opinião, que reforçou a posição anterior, acrescentando alguns elementos: era um evento que seria frequentado por pessoas conservadoras, que iriam me lançar olhares preconceituosos...
Na hora desisti, pedi desculpas a ambas e arquivei a ideia. Só não imaginava que isso me deixaria tão mal pro resto da semana.
Se elas ou alguém que as conheça estiver lendo isso agora, avise-as: não estou chateada, de maneira alguma, com elas. Estou chateada comigo mesma, em achar que uma situação destas seria tratada de uma maneira tão tranquila, quando, na verdade, não é...
Sinceramente, devo estar passando por aquela fase em que toda crossdresser, ou candidata a trans, como eu, quer se rebelar contra o mundo e usar aquilo que lhe der na telha. No meu caso, ou um vestidão comprido, ou uma combinação blusa + legging + bota (o que, confesso. poderia não ser a melhor escolha para um aniversário de criança...). E quando sabe que não pode usar, sofre.
Sofre e se acha um pária social. É quando dá vontade de desistir, jogar tudo para o alto e dizer: "bom, acabou a brincadeira, né? Vamos parar com criancices e voltar à vida real?" E, quando você sabe, no fundo no fundo, que sua criancice é coisa séria, você sofre. Porque simplesmente não consegue mais viver sem isso. Você vira, me perdoem a expressão um tanto quanto chocante, um amputado social. É como se lhe arrancassem uma parte importante de você, que não é física, mas emocional, que seria a sua expressividade e mesmo a sua individualidade, ou seja, a maneira pela qual você se identifica no mundo e para o mundo. E quando isso ocorre, você vê praticamente todas as pessoas vivendo como querem e você se pergunta: "Por que isso também não pode ocorrer comigo?"
Diário, acredite: eu me fiz estas perguntas durante a semana e não consegui uma resposta. Porque minha voz embargou. Porque sabia que, se continuasse, me arriscaria seriamente a cair na vala comum da autopiedade, o que, aliás, estou perigosamente incorrendo ao escrever este post. Mas, na verdade, embora pareça que eu queira me fazer de coitadinha perante uma sociedade preconceituosa, etc e tal (ideologia a qual não concordo plenamente, mas isso é matéria para um próximo post), deixo registrado isso para provar a quem tenha a boa vontade de entender uma mente de uma crossdresser que tudo o que sentimos, parafraseando os movimentos de junho do ano passado,. "não são apenas por vinte centavos de sexo". São também - e principalmente - pela liberdade de querer ser quem você realmente é, por mais bizarro que possa ser. De querer ser, como assinalei no post passado, a mulher barbada do circo, a grande atração involuntária da festa. E de se sentir incrivel e estupidamente feliz por isso...

PS:   Por favor. entendam este post apenas como um desabafo e não uma tentativa desesperada de forçar uma situação de ir para a festa, que será ainda em dezembro, de Vanessa. Afinal de contas, nem sei se vou ainda. Só tomei esta situação como exemplo, dentre tantos outros, de momentos em que simplesmente não podemos ser nós mesmas. E são nestes momentos em que paro de querer sofrer por tanto mimimi e apelo logo para Rocky Balboa, neste que é dos melhores levanta-ânimos que conheço, e me ponho de pé de novo, ainda que tonta, ainda que nas cordas. Mas ainda viva e com disposição para lutar... até o fim...


Próximo round. por favor!

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