Hoje comecei a ler um livro da Martha Medeiros... não tenho muita coisa escrita dela, só o "Feliz Por Nada" e esse agora, que baixei no meu Kobo (abençoado seja o criador dos livros digitais, só ele pôde fazer com que eu baixasse vááários livros de graça na internet, economizando horrores em livros, podendo realocar esta verba em vestidos, saias e, enfim, vocês entenderam...), chamado "A Graça da Coisa". Logo um dos primeiros textos me chamou a atenção por duas coisas:
1. Certa feita, uma amiga minha comentou que leu um texto dela que viu que era a minha cara. Seria esse?
2. Ao ler o texto me lembrei de outro comentário de outra amiga que, infelicitando-se pela minha situação (até já tive oportunidade de escrever sobre isso antes), disse que eu não me sentia completo... se bem que, no caso, o texto aponta para outra direção...
Bom, leiam, reflitam e vejam se somente sua amiga Vanessinha pode ser considerada assim. Como o alcance deste blógui é bem restrito, desconfio que a Martha Medeiros não deva se opor à publicação deste trecho, que serve aqui como uma homenagem e um ponto de reflexão para todas nós. Vai lá:
"Amputações
Quando o filme 127 horas estreou no cinema, resisti à tentação de assisti-lo. Achei que a cena da amputação do braço, filmada com extremo realismo, não faria bem para meu estômago. Mas agora que saiu em DVD, corri para a locadora. Em casa eu estaria livre de dar vexame. Quando a famosa cena se iniciasse, bastaria dar um passeio até à cozinha, tomar um copo d´água, conferir as mensagens no celular, e então voltar para a frente da tevê quando a desgraceira estivesse consumada. Foi o que fiz.
O corte, o tão famigerado corte, no entanto, faz parte da solução, não do problema. São cinco minutos de racionalidade, bravura e dor extrema, mas é também um ato de libertação, a verdadeira parte feliz do filme, ainda que tenhamos dificuldade de aceitar que a felicidade pode ser dolorosa. É muito improvável que o que aconteceu com o Aron Ralston da vida real (interpretado no filme por James Franco) aconteça conosco também, e daquele jeito. Mas, metaforicamente, alguns homens e mulheres conhecem a experiência de ficar com um pedaço de si aprisionado, imóvel, apodrecendo, impedindo a continuidade da vida. Muitos tiveram a sua grande rocha para mover, e não conseguindo movê-la, foram obrigados a uma amputação dramática, porém necessária.
Sim, estamos falando de amores paralisantes, mas também de profissões que não deram retorno, de laços familiares que tivemos de romper, de raízes que resolvemos abandonar, cidades que deixamos. De tudo que é nosso, mas que teve de deixar de ser, na marra, em troca da nossa sobrevivência emocional. E física, também, já que insatisfação é algo que debilita.
Depois que vi o filme, passei a olhar para pessoas desconhecidas me perguntando: qual será a parte que lhes falta? Não o 'pedaço de mim' da música de Chico Buarque, aquela do filho que já partiu, mutilação mais arrasadora que há, mas as mutilações escolhidas, o toco de braço que tiveram de deixar para trás a fim de começarem uma nova vida. Se eu juntasse alguns transeuntes, aleatoriamente, duvido que encontrasse um que afirmasse: cheguei até aqui sem nenhuma amputação autoprovocada. Será? Talvez seja um sortudo. Mas é menos provável que tenha faltado coragem.
Às vezes o músculo está estendido, espichado, no limite: há um único nervo que nos mantém presos a algo que não nos serve mais, porém ainda nos pertence. Fazer o talho machuca. Dói de dar vertigem, de fazer desmaiar. E dói mais ainda porque se sabe que é irreversível. A partir dali, a vida recomeçará com uma ausência.
Mas é isso ou morrer aprisionado por uma pedra que não vai se mover sozinha. O tempo não vai mudar a situação. Ninguém vai aparecer par salvá-lo, 127 horas, 2.300 horas, 6.450 horas, 22.500 horas que se transformam em anos.
Cada um tem um cânion pelo qual se sente atraído. Não raro, é o mesmo cânion do qual é preciso escapar.
31 de julho de 2011"
Perfeito, não? Com o perdão do trocadilho, ela foi cirúrgica aqui... e é claaaaro que seguir-se-ão comentários meus nos próximos posts, mas, por enquanto, deixo para azamigas fazerem suas próprias reflexões (ou vocês acham que somente euzinha aqui é que tem partes gangrenadas na alma?)
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